sábado, 9 de janeiro de 2010

A intemporalidade das palavras


Estamos perdidos há muito tempo...
O país perdeu a inteligência e a consciência moral.
Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada.
Os caracteres corrompidos.
A prática da vida tem por única direcção a conveniência.
Não há princípio que não seja desmentido.
Não há instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se respeita.
Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos.
Ninguém crê na honestidade dos homens públicos.
Alguns agiotas felizes exploram.
A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia.
O povo está na miséria.
Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente.
O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.
A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.
Diz-se por toda a parte, o país está perdido!

"Texto escrito por Eça de Queirós em 1871"


Pois é, passados 140 anos, a crise económica mantém-se e o défice de valores e cidadania também. Qualquer mísero cargo dá direito, na nossa provinciana sociedade, a um carro, a um motorista, a um telemóvel, a cartões e a uma secretária. Ninguém dá um passo sem andar de carro, mesmo que se alimente de sandes e cafés, viva numa barraca ou num condomínio de luxo. Para além de analfabetos e estúpidos, os portugueses são cagões. Preferem o perfume ao duche, o automóvel brilhante a uma casa decente, umas férias na República Dominicana a investir na educação dos filhos, montar falsas empresas a pagar impostos. Não conseguem entender que a fuga ao fisco não é uma vantagem competitiva, por isso, nunca iremos a lado nenhum, nem a pé, nem de autocarro.

E se é comum dizer-se que o exemplo vem de cima, nesta matéria, estamos conversados!

Portugal é paraíso dos humoristas e existem tantas graças sobre a classe política e empresarial que até se atropelam nas cabeças dos humoristas. Às tantas nem sabemos identificar se a Sit Down Comedy é brincadeira ou caso sério. Por isso é que, cada vez faz mais sentido o que Andy Warhol antecipou nos anos 70 "I don't know where the artificial stops and the real starts".

Mas a classe política continuará a sorrir... os conselheiros de imagem ajeitarão as gravatas dos ministros e o cabelo das ministras, os empresários continuarão com os dedos entalados nos cofres das offshores, a pseudo monarquia vai manter a mesmíssima decrepitude geral, herdada através de séculos de consanguinidade, a esquerda revolucionária continuará a sofrer de miopia, estrabismo e cegueira ideológica e o Zé povinho, apesar de sofrer de herpes cerebral, fica feliz e realizado, desde que o SLB seja campeão.